Era
mais um dia entre amigos, mas algo inesperado aconteceu…
“Vera”
e “Gabriel” (nomes fictícios) namoraram durante alguns anos. Sempre pensei que
ele era um eterno apaixonado. E, apesar do que aconteceu naquela noite de
julho, continuei a ter a mesma impressão dele: ele amava-a.
Estávamos
em casa de “Vera” a socializar quando os ciúmes falaram mais alto. Ele tinha
aquele ar de Don Juan e, por vezes, ela não sabia lidar com isso. Foi então que
“Vera” se levantou e se fechou na casa de banho. Fiquei pasmada como uma mera
brincadeira poderia originar no que os meus olhos iriam ver…
“Gabriel”
levantou-se e foi atrás dela. Eu mantive-me ali na sala como se nada estivesse
a passar. Para mim, «entre marido e mulher não se mete a colher».
Os
ânimos começaram-se a exaltar de ambas as partes. Ele usou o seu corpo e
conseguiu abrir a porta da casa de banho. Continuaram a discussão no quarto. Mais
uma vez mantive-me no meu lugar.
Passados
alguns segundos, ouvi-a a chamar por mim. Quando olho, vejo um braço no ar. Corro
ao alcance de “Gabriel” a fim de o travar. Mas era tarde. Olho para “Vera” e
vejo um olho negro e os dentes da frente partidos. Como poderiam ter chegado
àquele ponto?
Apesar
do estado de “Vera”, ele não conseguia ver o que tinha feito. Estava cego. Tive
receio, mas usei o meu corpo para travar possíveis novos atos. E consegui.
Ambas
tremíamos. Era difícil manter a calma ao vê-la naquele estado. Pedi calmamente
a “Gabriel” para se ir acalmar para a sala, enquanto eu tratava de “Vera”.
Ela
chorava compulsivamente abraçada a mim. Sentia-me impotente e culpada por ter
deixado aquilo chegar onde chegou. Mas tinha de arregaçar as mangas e cuidar
dela. Chamei o 112 mas, eu com os nervos, só me dava para rir. Do outro lado
pensaram tratar-se de uma brincadeira e desligaram. Mais uma vez, fiquei sem
saber o que fazer.
Antes
de chamarmos o vizinho de baixo, perguntei a “Vera” se queria fazer queixa de “Gabriel”.
Caso o pretendesse fazer, seria sua testemunha. Ela recusou. Não estava
disposta a lidar com mais um problema.
Os
três concordámos em contar a mesma história: tinha escorregado ao sair da
banheira. O vizinho lá chegou e falou com o 112…
Depressa
chegaram os paramédicos e perguntaram-nos o que tinha acontecido. Contei-lhes a
história que, estupidamente, tínhamos combinado. “Gabriel” queria ir com ela na
ambulância e eu não o deixei. Disse-lhe quem ia era eu, porque ele já tinha
feito mal o suficiente.
Já
no hospital, “Vera” foi rapidamente assistida. Um polícia perguntou-lhe o que
tinha acontecido e ela explicou-lhe o incidente na casa de banho. “Gabriel” foi
ter ao hospital e já se encontrava junto a mim.
Passadas
algumas horas, chegou a mãe dela e perguntou-me o que se tinha passado. Expliquei-lhe
mas, uma mãe nunca se engana. Sabia o que se tinha passado.
Enquanto
“Vera” era assistida, perguntei-me inúmeras vezes como é que era possível haver
tamanha falta de respeito?! Não o entendia. Nunca tinha assistido a tal ato. Jurei
a mim mesma que “ai do homem que se atrevesse a tocar-me”.
Aconteceu.
Tocou-me. Tocou-me mais que uma vez. Sempre o perdoei e nunca fiz queixa dele. Não
me julguem, nem a todas as outras mulheres que são vítimas de maus tratos. Não tentem
entender o que vai na nossa cabeça, porque nunca o vão conseguir.
Se
os amamos? Claro que sim. E temos sempre aquela esperança que foi um «acidente»
e que não voltará a acontecer. Mas volta sempre. Volta até os deixarmos.
Eu
quero terminar este testemunho para agradecer à minha família e aos meus
amigos, que são fundamentais para todos os momentos, mas acima de tudo, para
nos ajudarem a lidar com a violência doméstica.
Acreditem,
podemo-nos livrar dos nossos agressores, mas jamais nos esquecemos da dor
psicológica e física a que fomos sujeitas…
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