Translate

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Violência Doméstica: os agressores vão, as marcas ficam




Era mais um dia entre amigos, mas algo inesperado aconteceu…
“Vera” e “Gabriel” (nomes fictícios) namoraram durante alguns anos. Sempre pensei que ele era um eterno apaixonado. E, apesar do que aconteceu naquela noite de julho, continuei a ter a mesma impressão dele: ele amava-a.

Estávamos em casa de “Vera” a socializar quando os ciúmes falaram mais alto. Ele tinha aquele ar de Don Juan e, por vezes, ela não sabia lidar com isso. Foi então que “Vera” se levantou e se fechou na casa de banho. Fiquei pasmada como uma mera brincadeira poderia originar no que os meus olhos iriam ver…

“Gabriel” levantou-se e foi atrás dela. Eu mantive-me ali na sala como se nada estivesse a passar. Para mim, «entre marido e mulher não se mete a colher».

Os ânimos começaram-se a exaltar de ambas as partes. Ele usou o seu corpo e conseguiu abrir a porta da casa de banho. Continuaram a discussão no quarto. Mais uma vez mantive-me no meu lugar.

Passados alguns segundos, ouvi-a a chamar por mim. Quando olho, vejo um braço no ar. Corro ao alcance de “Gabriel” a fim de o travar. Mas era tarde. Olho para “Vera” e vejo um olho negro e os dentes da frente partidos. Como poderiam ter chegado àquele ponto?

Apesar do estado de “Vera”, ele não conseguia ver o que tinha feito. Estava cego. Tive receio, mas usei o meu corpo para travar possíveis novos atos. E consegui.

Ambas tremíamos. Era difícil manter a calma ao vê-la naquele estado. Pedi calmamente a “Gabriel” para se ir acalmar para a sala, enquanto eu tratava de “Vera”.

Ela chorava compulsivamente abraçada a mim. Sentia-me impotente e culpada por ter deixado aquilo chegar onde chegou. Mas tinha de arregaçar as mangas e cuidar dela. Chamei o 112 mas, eu com os nervos, só me dava para rir. Do outro lado pensaram tratar-se de uma brincadeira e desligaram. Mais uma vez, fiquei sem saber o que fazer.

Antes de chamarmos o vizinho de baixo, perguntei a “Vera” se queria fazer queixa de “Gabriel”. Caso o pretendesse fazer, seria sua testemunha. Ela recusou. Não estava disposta a lidar com mais um problema.
Os três concordámos em contar a mesma história: tinha escorregado ao sair da banheira. O vizinho lá chegou e falou com o 112…

Depressa chegaram os paramédicos e perguntaram-nos o que tinha acontecido. Contei-lhes a história que, estupidamente, tínhamos combinado. “Gabriel” queria ir com ela na ambulância e eu não o deixei. Disse-lhe quem ia era eu, porque ele já tinha feito mal o suficiente.

Já no hospital, “Vera” foi rapidamente assistida. Um polícia perguntou-lhe o que tinha acontecido e ela explicou-lhe o incidente na casa de banho. “Gabriel” foi ter ao hospital e já se encontrava junto a mim.

Passadas algumas horas, chegou a mãe dela e perguntou-me o que se tinha passado. Expliquei-lhe mas, uma mãe nunca se engana. Sabia o que se tinha passado.

Enquanto “Vera” era assistida, perguntei-me inúmeras vezes como é que era possível haver tamanha falta de respeito?! Não o entendia. Nunca tinha assistido a tal ato. Jurei a mim mesma que “ai do homem que se atrevesse a tocar-me”.

Aconteceu. Tocou-me. Tocou-me mais que uma vez. Sempre o perdoei e nunca fiz queixa dele. Não me julguem, nem a todas as outras mulheres que são vítimas de maus tratos. Não tentem entender o que vai na nossa cabeça, porque nunca o vão conseguir.

Se os amamos? Claro que sim. E temos sempre aquela esperança que foi um «acidente» e que não voltará a acontecer. Mas volta sempre. Volta até os deixarmos.

Eu quero terminar este testemunho para agradecer à minha família e aos meus amigos, que são fundamentais para todos os momentos, mas acima de tudo, para nos ajudarem a lidar com a violência doméstica.


Acreditem, podemo-nos livrar dos nossos agressores, mas jamais nos esquecemos da dor psicológica e física a que fomos sujeitas…

Sem comentários:

Enviar um comentário